O QUE É CRIAR UM LIVRO PARA O BEBÊ?
por Rosinha
O bebê é esse ser humano incrível que acabou de chegar ao mundo com toda a potência. Um ser curioso que explora, reconhece, compara e interpreta, transformando tudo em aprendizagem. E nós, espectadores de todo esse potencial, recepcionamos o bebê ávidos por interagir com ele. E logo recorremos, entre outras coisas, ao nosso tão conhecido objeto que nos proporciona interação humana, acesso à linguagem e à cultura: o livro.
Mas, o que é um livro para bebês? Como fazer um livro para quem não fala, não sabe passar as páginas e foca sua atenção não muito mais do que alguns poucos segundos? Para quem tudo é extremamente intenso e vital, para quem tudo está à flor da pele, para quem tudo à volta deslumbra?
Talvez a resposta mais imediata seja que os livros para bebês precisam ser curtos, com imagens isoladas na página dupla, pouquíssimas ou nenhuma palavra. Livros para a aquisição de conceitos iniciais, sejam substantivos concretos como objetos, animais, vestimentas, veículos, sejam substantivos abstratos, como cores, números ou tamanhos, que deem conta de suas especificidades de tempo e atenção. Esse é o tipo de livro que nos vem à mente, junto com seus materiais: pano, plástico ou cartonado. Mas são apenas esses os livros que devem ser oferecidos ao bebê?
Quando falamos de livros para bebês, falamos da primeiríssima infância, que abarca a faixa de 0 a 3 anos de idade. Tão pequenos, não é? Então, como pensar em livros para esse momento em que as mudanças são tão rápidas, intensas e transformadoras como em nenhum outro período da nossa existência? Como dar conta dessa profunda transformação em um objeto que é estático, que se movimenta apenas pela passagem das páginas em nossas mãos? E, principalmente, como criar livros que considerem o bebê como o grande leitor que ele é?
É recente a consideração de que o bebê é um leitor pleno. E é exatamente essa intensidade de interesses que faz dele um grande leitor, leitor das melodias das nossas vozes, leitor das expressões dos nossos rostos, leitor dos cheiros e dos paladares, leitor dos silêncios e dos movimentos, leitor do ambiente e tudo o que ele contém. O bebê é um leitor competente de tudo o que está à sua volta, inclusive dos livros. Leitor que merece livros que contenham narrativas, que sejam divertidos e que proporcionem um bom jogo, que é o que os livros fazem com a gente, eles jogam com o leitor. Como criar livros para bebês que deem conta das dimensões narrativas, linguísticas e poéticas que um bom livro precisa ter? São muitas as perguntas, que se multiplicam a cada momento em que desejo iniciar um livro, seja para bebês ou não.
A cultura popular e a brincadeira sempre estiveram muito presentes no meu trabalho, junto com a crença da importância que esses temas têm na minha vida e nos livros que faço. Talvez isso tenha me aproximado tanto do livro para bebês. Fazer livro para criança pequena sempre foi minha preferência exatamente pela possibilidade de encarar o livro como esse lugar explícito para a brincadeira e para o jogo. Entendo que fazer livro para um leitor tão especial é trazer a síntese, é transformar a relação do bebê com a linguagem em brincadeira, jogo e narrativa. É trazer para o livro ludicidade e experiência estética e literária, com o intuito de interagir com o leitor e não de ensinar. Síntese não pela incapacidade de compreensão do bebê, muito pelo contrário. Tudo o que o bebê precisa para compreender o mundo já está prontinho em seu cérebro, sem nenhuma diferença do adulto, a não ser pelas experiências ainda não vividas. E é aí que entra nosso papel de construção junto ao leitor. Vamos fazer parte das primeiras experiências da vida de uma pessoa com a narrativa escrita e desenhada, com o poético, o que eu acho incrível e um imenso privilégio.
Foi pensando em tudo isso que produzi os três livros que exemplifico aqui. O primeiro é o livro O que tem aí?, publicado pela Jujuba Editora, uma brincadeira de cadê-achou, com as páginas estendidas em aba, que faz as vezes das mãos ou do lençol nesse tipo de brincadeira. A cada dupla (ou tripla), vamos brincando com os animais, reais e imaginários, com os números, as cores, as rimas e até com os plurais, onde a cada pergunta é necessário abrir a aba para sabermos a resposta. No final, os personagens olham para o leitor para encontrar a resposta à última pergunta, incluindo o leitor na narrativa.
O segundo é o livro Na loja do Mestre André, publicado pela Editora do Brasil, uma cantiga de roda, em que o personagem, um coelho, introduz os instrumentos da cantiga na página, os experimenta e, misteriosamente, eles desaparecem. Ao final, o mistério é resolvido e um concerto é executado pelo polvo com os instrumentos que ele tirou do coelho.
O terceiro livro é Cadê o meu bolo?, publicado pela Editora Imperial Livros, uma parlenda na qual o Papão Mindinho pergunta por seu bolo aos demais personagens, que estão tramando uma surpresa. Em cada imagem dos bichos-papões, existe um buraco físico na página para que o bebê coloque um dedo, depois dois, até que os cinco dedos atravessem a página, trazendo para o livro a brincadeira que fazemos com os dedos dos bebês enquanto entoamos a parlenda.
Os três livros não apenas reproduzem as brincadeiras e a poesia popular, mas transformam cada uma delas em narrativa, trazendo um novo sentido à brincadeira, para que o bebê experimente outras possibilidades de interação com textos que fazem parte do seu universo de linguagem.
Ao pensar em livros para bebês, me deparo com o problema do custo elevado da produção gráfica. Apesar de ser interessante oferecer uma maior diversidade de livros, os materiais de que são feitos os livros para bebês costumam ser mais resistentes, pois esse leitor ainda está adquirindo destreza para manipular o objeto. Além da alta gramatura do papel e da capa dura, outro cuidado fundamental com o livro para bebês é que apresente as bordas arredondadas, para não correr o risco de machucar o bebê, principalmente os olhos. Quando pensamos em livros com facas de corte, abas, páginas que se desdobram, peças de encaixe, soluções que ampliam os significados narrativos e a experiência do bebê, a coisa fica mais dramática. Por essas bandas do globo terrestre, é praticamente impossível viabilizar livros com essa complexidade de produção gráfica. Isso me dá uma profunda frustração, já que para o bebê a relação do corpo com o objeto e a exploração sinestésica são fundamentais durante a leitura.
Nosso parque gráfico melhorou muito nos últimos 30 anos, mas não o suficiente para produzirmos livros para bebês com a qualidade que eles merecem a um custo viável. São poucas as gráficas capacitadas, com tecnologia e disposição para implantar os processos manuais que esses livros pedem e pouquíssimas as editoras que se arriscam, investem e têm consciência de que a qualidade da produção gráfica é um item fundamental nos livros para bebês. A essas editoras faço uma reverência pela bravura. Curiosamente, são as editoras pequenas as que mais produzem livros de qualidade para esse público.
Apesar da discussão sobre livros para bebês já ter começado há algum tempo, ainda não chegou com força aos autores. Para nós, é um pensamento novo que precisa se unir às referências teóricas e assim contribuir para mudar o mercado editorial fazendo com que a produção de livros para bebês alcance um novo patamar de qualidade narrativa, estética e gráfica.
BIBLIOGRAFIA
ROSINHA. O que tem aí? São Paulo: Jujuba Editora, 2019.
____. Na loja do mestre André. São Paulo: Editora do Brasil, 2022.
____. Cadê o meu bolo. Rio de Janeiro: Imperial Livros, 2022.
* Texto escrito para o livro Primeiras leituras: arte e cultura na primeira infância, organizado pelas pesquisadoras Carolina Fedatto, Fabíola Farias e Juliana Daher.
dica de leitura:
SABERES DO BEBÊ
Érika Parlato-Oliveira
Editora Instituto Langage
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Fique de olho! A cada mês traremos novidades, reflexões e oportunidades imperdíveis para você se aprofundar no universo do livro.
Até breve e boas leituras!
Saiba que seu artigo acaba de me inspirar para meu terceiro livro infantil. Os outros dois são para crianças maiores, mas terminei de ler o seu texto com um livro pronto! Muito obrigada pela Inspiração.
Acompanho com muito respeito e interesse o trabalho de Rosinha. Ótima entrevista com a mesma. Gostoso saber de seu processo e seu olhar para a primeira infância.